Você ainda não precisa de 4K – parte2
Nesta segunda parte do artigo, explicaremos o que significam 4K reais e o que possibilita que uma boa imagem HD seja melhor do que uma imagem em pseudo 4K. Confira a parte1 sobre 4K.
Até pouco tempo, o termo 4K era utilizado na indústria cinematográfica para escaneamentos de negativos em alta resolução com a finalidade de obter melhor qualidade em efeitos visuais digitais. Enquanto isso, negativos eram (e ainda são) escaneados em 2K para intermediação digital para depois serem exibitos digitalmente ou transferidos novamente para película para projeção ótica.
Utilizado há mais de 20 anos, 2K acabou virando o padrão atual de projeção digital adotado mundialmente. Já o 4K foi escolhido porque o processo de efeitos visuais exige a mais alta resolução por conta da extração de máscaras e possível deterioração causada por diversas camadas.
Além disso, certos defeitos dos processos de computação gráfica, cada vez menos presentes, como serrilhados e bandas em degradês, são minimizados quando o material final é convertido de 4K para 2K. Mas qual a razão desses padrões? Por que não deixar, simplesmente, que a tecnologia evolua e siga por conta própria? A resposta é simples.
Sem esses padrões, os fabricantes tornariam o mercado um verdadeiro caos, com inúmeros formatos e resoluções, todos resultado da luta pela liderança do mercado. Cada cinema teria uma projeção diferente e cada câmera uma resolução doida.
2K foi adotado porque equivale visualmente, na sala de projeção média, à projeção em película de 35mm. Embora ainda haja muita discussão a respeito da superioridade do negativo em relação ao digital, na realidade a projeção típica em película não faz jus à qualidade do negativo original por conta das cópias óticas que sofrem degradação de imagem, desgaste da cópia com o uso, sujeira, arranhões, etc. Daí, uma boa projeção digital pode ser superior a uma típica projeção analógica.
Na primeira parte deste artigo, usamos diversas vezes os termos pseudo 4K, falso 4K e 4K real ou verdadeiro. Vamos analizar isso agora para que possamos entender melhor o porque da relutância de muitos profissionais respeitados do nosso meio em aceitar o termo 4K para a maioria das câmeras modernas.
Um scanner de negativos trabalha com 2000 ou 4000 pixels. No entanto, o termo pixel significa que cada unidade (pixel) é composta de três elementos combinados – um verde, um vermelho e um azul – que, juntos, formam um pixel completo.
É a combinação das intensidades destes elementos que forma as diversas cores e níveis de luminância possíveis em cada pixel individual.
Quer dizer, quando nos referimos a 4K verdadeiros, estamos falando de 4096 pixels vermelhos, 4096 pixels verdes e 4096 pixels azuis. Como a imagem é escaneada no formato 4:3, equivalente ao frame inteiro do negativo 35mm, ela tem as proporçõe de 4K por 3K.
Ou seja, o equivalente a 12 milhões (arredondando) de pixels individuais para cada cor. Portanto, um sensor de 36 megapixels seria necessário para formar uma imagem real de 4K, sendo que a proporção de pixels verdes, vermelhos e azuis deveria ser absolutamente igual.
Isso, aliás, é que é a definição do termo 4:4:4. Cada pixel verde, vermelho e azul é sampleado 4 vezes, contendo toda a informação de luminância e crominância que formam uma imagem.
4:2:2, por outro lado, significa que os pixels verdes são sampleados quatro vezes enquanto que os vermelhos e azuis são apenas duas. Como a luminância é associada aos pixels verdes, a informação de tons de cinza permanece integral mas a informação de cor, não.
Nas primeiras câmeras HD, eram utilizados três sensores individuais, um para cor básica, cada um com a resolução final do formato. Ou seja, uma câmera 1080 tinha três sensores 1080, um para cada cor. E, portanto, oferecia 1080 pixels reais.
A grande maioria das câmeras atuais têm um único sensor e os pixels são combinados em um conjunto que leva o nome de Bryce E. Bayer, da Eastman Kodak. Daí, conjunto Bayer.
Filtros coloridos são posicionados sobre cada elemento fotosensível do sensor para extrair as cores da imagem. Só que, neste processo, são utilizados o dobro de filtros verdes em relação aos azuis e vermelhos. Ou seja, o equivalente a 4:2:2.
Como cada elemento só tem uma cor filtrada, fica impossível extrair a informação de cor de um único pixel. Para obter uma imagem colorida, vários algoritmos são utilizados para retirar a informação deste mosaico de filtros (veja a ilustração abaixo) e interpolá-la para a obtenção da imagem final.
Este processo é o que chamamos de De-Bayering. Nas câmeras que gravam em RAW, como as RED, este processo é feito no computador, utilizando seus processadores.
A Red, inclusive, vende uma placa aceleradora deste processo chamada Red Rocket. Nas câmeras que gravam em outros formatos, como as HDSLRs, os cálculos são feitos na própria câmera por chips dedicados.
Como podemos notar na ilustração acima, o conjunto Bayer alterna as cores por fileiras. Verde com vermelho e verde com azul. O que acontece é que as três cores básicas nunca estão presentes em uma única fileira e são necessárias, portanto, duas fileiras para se extrair o RGB (Red, Green, Blue – Vermelho, Verde, Azul).
Quer dizer, cada fileira individual tem suas cores interpoladas, calculadas para preencher as informações que faltam. Outra solução é descartar metade dos elementos verdes para que as três cores básicas tenham o mesmo número de elementos. Neste caso, há perda de informação de luminância.
Como explicamos acima, um scanner 4K gera uma imagem equivalente a 36 megapixels. Portanto, uma imagem 4K verdadeira é totalmente diferente dos pseudo 4K que muitos fabricantes têm nos empurrado, obtidos de sensores CMOS que começam em 8 megapixels e passam por outros valores como os 11.5 megapixels da RED One.
Para chegar ao número “mágico” de 4K, a maioria dos fabricantes soma cada elemento fotosensível de cada linha para chegar aos 4K. Só que são 4K “falsos”, faltando uma quantidade enorme de informações da imagem captada.
Quer dizer, os 4K que a maioria dos fabricantes tem nos vendido em pouco contribuem para uma melhora real da qualidade da imagem. Só servem como mais um número para ajudar a vender câmeras. E, pior, acabam encarecendo e dificultando todo o processo de produção e pós.
No caso das câmeras RED, o material em RAW, ao ser convertido para 2K ou 1080, utiliza a informação dos elementos do sensor de 5K ou 4K para obter uma gama maior de cores.
Quer dizer, as RED se aproximam mais dos 2K reais do que dos 4K reais. E é por isso que muitos usuários percebem que o material filmado em 4K e convertido para 1080 em uma RED apresenta qualidade de imagem superior ao material filmado em 1080 em uma câmera inferior que utilize o padrão Bayer típico.
Só que, na verdade, você está comprando um 1080 ou 2K superior, e não um 4K real. O uso do sensor de 5K tem o mérito de aumentar o número de elementos fotosensíveis e, consequentemente, melhorar a imagem em 4K, 2K e 1080.
O que achamos errado é vender a câmera como uma câmera 5K. Seria muito mais honesto com o consumidor vendê-la como uma câmera (pseudo) 4K melhorada ou, melhor ainda, uma câmera 2K de excelente qualidade.
É para tentar sanar esses problemas que a Sony utiliza um sensor de 8K em sua câmera F65, com o objetivo de obter imagens em 4K muito próximas ao padrão oficial de qualidade.
O sensor de 20 megapixels dessa câmera utiliza um conjunto Bayer girado em 45 graus para preencher melhor os espaços vazios e oferece praticamente o dobro de informações de um sensor 4K.
Do meso jeito que a imagem original de 4K da RED vira uma excelente imagem de 2K, a imagem do sensor 8K da F65 vira uma excelente imagem 4K.
A diferença é que a Sony não está tentando nos empurrar uma câmera 8K, e sim uma câmera 4K com especificações muito próximas dos 4K reais. Pelo menos é um marketing honesto. É por conta dessa qualidade real que a câmera está se tornando um sucesso em Hollywood.
Vale mencionar que uma câmera 1080p como a Panavision Genesis produz uma imagem superior à de uma RED 4K ou 5K convertida para 1080, mesmo filmando nativamente em 1080, por causa da tecnologia superior utilizada em seu sensor.
A câmera usa um CCD com resolução de 5.760 x 2.160 pixels, com conjunto completo RGB em cada linha, produzindo imagens em 4:4:4. Ou seja, utiliza um sensor com o dobro da resolução vertical e latitude total de cores para formar uma imagem fantástica em 1080p.
Utilizando um único CCD RGB, o fabricante eliminou os problemas causados pelos prismas usados nas câmeras HD anteriores para combinar a imagem dos 3CCDs, que sempre causavam alguma perda de qualidade na imagem.
Já a ARRI Alexa utiliza um sensor CMOS de arquitetura de duplo ganho (DGA), especialmente desenhado para ela. Ele contém pixels maiores que o normal, aumentando a área útil de captação de luz e reduzindo o ruído.
O sistema DGA oferece duas saídas simultâneas para cada pixel, com intensidades diferentes, proporcionando uma latitude final bem maior.
Cada uma dessas saídas tem 14 bits, e as duas saídas são combinadas em um sinal de 16 bits. É como se fosse uma imagem HDR em tempo real, combinando o melhor das altas e baixas luzes.
Utilizando um sensor de tamanho Super 35mm e resolução de 3.5K, com a arquitetura DGA, o fabricante obtém 2K reais. O processamento de cores é 4:4:4.
Se a ARRI seguisse o mesmo marketing dos pseudo 4K, certamente venderia a Alexa como uma câmera 3.5K ou, até mesmo, 4K. No entanto, age honestamente e fornece uma das melhores câmeras de cinema digital atuais, em seus gloriosos e reais 2K e 1080.
Esperamos que este artigo duplo tenha sido útil para esclarecer porque essa corrida atual pelos 4K não é nem um pouco benéfica pra o consumidor, que acaba comprando gato por lebre.
Vale muito mais uma câmera honesta 1080 ou 2K do que uma 4K que ofereça uma imagem inferior, principalmente levando-se em conta que nosso mercado de exibição cinematográfica é 2K e o de TV, internet e Bluray é 1080.
Também é importante salientar a diferença entre resolução e definição, dois termos que se confundem muito. Resolução é o tamanho do “pacote” de pixels. Ou seja, 1080, 2K e 4K. Definição é a quantidade de detalhes (ou nitidez) que a câmera consegue reproduzir.
Consequentemente, uma ótima câmera 1080 pode ter mais definição de uma câmera 4K mediana. É por isso que as imagens da ARRI Alexa apresentam melhor definição que muitas das pseudo 4K.
Uma das críticas às HDSLRs da Canon, como as 5D Mark II e Mark III, é que a definição em vídeo é mais baixa que das concorrentes. A Panasonic GH2, por exemplo, define mais linhas que ela, apesar de ter um sensor com praticamente metade do tamanho.
Mas definição também não é tudo, pois existem câmeras bem piores com definição maior, mas também com maior nível de ruído, pior latitude e fidelidade de cores, pior compressão, etc. Se só a definição fosse importante, as HDSLRs Canon certamente não fariam o sucesso enorme que fazem.
Comprar equipamentos baseado só em números é um grande erro. Mas é uma prática que nos é induzida pelo marketing das grandes e pequenas empresas.
Aquele som vagabundo de 2.000 Watts de pico é certamente inferior a um sistema com 30 Watts RMS (reais), de alta qualidade. O motor 1.0 moderno é certamente superior ao 1.6 desenhado há mais de 30 anos. E uma boa câmera fotográfica de 8 megapixels pode dar um banho em uma medíocre de 12 megapixels.
Não se empolgue muito com as novidades só porque os números impressionam. Procure pesquisar bem o equipamento, buscando opiniões esclarecidas, exemplos reais de imagens, resenhas profissionais e, preferivelmente, testando o equipamento em pessoa.
Afinal, mesmo câmeras praticamente idênticas podem agradar a uns mais que a outros pelas suas cores, ergonometria, recursos, etc.
Nunca tivemos tantos modelos de câmeras para escolher, a preços tão baixos. A vez não é mais dos fabricantes, que lutam, desesperados, por uma fatia individual cada vez menor do mercado. A vez é do consumidor, que tem a liberdade de escolher o melhor equipamento possível para suas necessidades.
Fonte: http://www.videoguru.com.br
Autor: Paulo M. de Andrade
Paulo trabalhou na Rede Globo de Televisão como roteirista, diretor e editor e também escreveu sete longa metragens do grupo Os Trapalhões. Em 1991, abriu uma produtora nos EUA, onde conquistou vários clientes importantes, recebeu diversos prêmios e escreveu centenas de artigos como editor contribuinte para algumas das mais importantes publicações profissionais americanas e internacionais. Hoje Paulo trabalha como colorista para TV e cinema, com clientes no Brasil, Estados Unidos e Europa.